FRANGO À KIEV

 FRANGO À KIEV

Os russos não se apropriam somente da Ucrânia, o que já é demais. Adonam-se de um dos pratos mais importantes da cozinha dos país que invadiram militarmente. Querem assumir o papel de seus criadores. Referimo-nos ao frango à Kiev ou frango Kiev, batizado assim em homenagem à capital da Ucrânia. Entretanto, é impossível saber onde realmente o prato começou a ser preparado. Pelo nome que tem, os ucranianos aparentemente vencem a disputa.
A receita do frango à Kiev manda rechear o peito desossado do filho da galinha, já crescido, mas antes de ser galo, com manteiga gelada, ervas e suco de limão; a seguir, recomenda empaná-lo na farinha de trigo, em ovos batidos e no pão ralado; por último, fritá-lo e finalizá-lo no forno. Chegou ao Ocidente depois da Revolução Russa de 1917, trazido pelos refugiados do regime comunista. Foi moda internacional a partir da década de 1930, quando teria debutado no cardápio de dois restaurantes russos abertos em Chicago, nos Estados Unidos.
No Brasil, o prato teria sido introduzido através do Rio de Janeiro, na década de 1950, pelo barão austríaco Max von Stuckart, dono da boate Vogue, que funcionava na Av. Princesa Isabel, em Copacabana. Era a mais refinada casa da noite carioca, com comida e música de primeiríssima, nas vozes de Dolores Duran, Aracy de Almeida, Ângela Maria, Sílvio Caldas, Inesita Barroso e ao som do pianista Sacha Rubin. Uma das mais assíduas frequentadoras da boate Vogue, a jornalista, escritora e ex-modelo e socialite Danuzia Leão, testemunhou lançamento do prato.
Em São Paulo, o Frango à Kiev começou a ser feito depois, pelos restaurantes franceses. O mesmo aconteceu em outras cidades nacionais. Segundo o importador de vinhos e alimentos Pedro Correa de Oliveira, de Curitiba, viajado e experiente gourmet, “hoje o melhor frango à Kiev do Brasil é preparado no restaurante de cozinha internacional e eslava Durski, da capital paranaense” (Avenida Jaime Reis, 254 São Francisco, tel./ WhatsApp 41-98855.5383).
Mas respeitados historiadores da gastronomia atribuem ao prato origem francesa. Acreditam que o frango à Kiev foi criado por um inventor de verdade, além de confeiteiro e cervejeiro, chamado Nicolas Appert (1749- 1841), o mesmo que desenvolveu em 1795 uma técnica capaz de conservar duradouramente os alimentos. Ele os aqueceu a 100ºC, em vidros hermeticamente fechados, e com isso interrompeu o processo natural de decomposição.
Antes, os alimentos eram preservados com sal ou açúcar, mediante defumação e cozimento seguido de imersão em gordura, o que lhes alterava a cor, o aroma, a textura e o sabor. Napoleão Bonaparte recompensou o inventor com o prêmio de 12 mil francos, equivalente a tirar a sorte grande. Sua descoberta, batizada de appertização, foi difundida no livro “A Arte de Conservar por Vários Anos Todas as Substâncias Animais e Vegetais”.
O frango à Kiev seria resultado de uma experiência científica de Appert. “Trabalhando como chef em Paris, quis encontrar uma forma de impedir que o recheio dentro do peito de frango queimasse e vazasse e usou a técnica do ovo e da farinha de rosca para selar a superfície externa”, explica James Winter no livro “Quem Colocou o Filé do Wellington?” (Editora Melhoramentos, São Paulo, 2013). “Acabou obtendo um pacote hermético capaz de permitir que a manteiga do recheio derretesse devagar e então saísse fundida de forma satisfatória quando fosse cortado”. Appert chamou sua receita de côtelettes de volaille (costeletas de ave). O nome aparentemente paradoxal fazia sentido. Usa-se na cozinha clássica francesa a qualificação côtelettes de volaille. Indica filés de peito de frango desossados, mas acoplados à primeira parte do osso da asa. Também pode designar supremo de frango.
Garante-se que o achado gastronômico de Appert chegou à Rússia com os grandes chefs franceses que a aristocracia do país contratou na França para trabalhar em São Petersburgo e Moscou. O ambiente era propício para recebê-los. Considerava-se bom e elegante tudo o que fosse francês. Nobres visitavam Paris a fim de se divertir e comer bem. A imperatriz Elizaveta Petrovna, filha de Pedro, o Grande, que governou o país de 1741 a 1762, por exemplo, nunca escondeu sua condição de francófila. Foi educada por um professor francês, falava fluentemente francês, era fascinada pela cultura francesa e amava a cozinha francesa. Contratou os melhores chefs de Paris para trabalhar em sua corte.
No caso do frango à Kiev, os russos aceitam a influência francesa, mas dizem que se limitou à técnica, combinada com a tradição culinária nacional. O livro norte-americano “The Russian Tea Room Cookbook”, publicado em 1981 por Faith Stewart-Gordon e Nika Standen Hazelton, com receitas do glamoroso restaurante histórico do mesmo nome, situado perto do Carnegie Hall, em Manhattan, vai mais longe. Diz que o frango à Kiev “é muito provavelmente uma criação do grande chef francês Carême”.
Refere-se ao primeiro chef celebridade do mundo, famoso pela simplificação e codificação da haute cuisine francesa. Antonin Carême (1784-1833) realmente serviu ao czar Alexander I, em São Petersburgo. Apesar de permanecer pouco tempo na sua corte, provocou grande impacto na cozinha russa. Mas o frango à Kiev não está mencionado em sua obra. A receita que aparece nela é a do filet à la Maréchale. Leva pedaços tenros de carne, cobertos com ovos e migalhas de pão, para serem refogados. Homenagearia Maréchale de Luxembourg, grande anfitriã da sociedade francesa do século XVIII.
Há outras versões, mas ainda convém lembrar a sustentada pela tradição oral em Kiev. Atribui a invenção da então kotleta de-volyay po-Kievski (costeleta de aves ao estilo de Kiev) ao restaurante do Hotel Continental da capital da Ucrânia. O prédio de luxo foi construído em 1897 e destruído completamente quando o exército alemão ocupou a cidade, em 1941, durante a Segunda Guerra Mundial. O frango à Kiev era um dos sucessos da sua excelente cozinha.
A capital da Ucrânia, atravessada pelo rio Dnieper e conhecida pelos seus museus de história e arquitetura religiosa, com belíssimas igrejas de cúpulas douradas, célebre pelos palácios antigos, pelo povo bonito e educado, era até o mês passado uma cidade acolhedora e requintada. Teve papel fundamental no desenvolvimento da civilização da Europa Oriental. Além disso, converteu-se em importante centro industrial, científico, educacional e cultural. Aí chegaram os avassaladores tanques e mísseis russos, que começaram a destruir tudo.
P.S. Esta crônica já apareceu em outro lugar. Decidi republicá-la, com atualizações importantes, a propósito da invasão da Ucrânia (que tem Kiev como capital) pelas tropas russas.
FRANGO À KIEV
Rende 4 porções
INGREDIENTES
MANTEIGA DE ERVAS
.200g de manteiga em temperatura ambiente
.2 colheres (sopa) de salsinha fresca picadinha na hora
.2 colheres (sopa) de cebolinha verde fresca picadinha na hora
.2 colheres (sopa) de estragão fresco picadinho na hora
.4 colheres (sopa) de suco de limão
FRANGO
.4 peitos de frango limpos e desossados
.Manteiga de ervas o suficiente para rechear os peitos de frango
.3 colheres (sopa) de farinha de trigo
.3 ovos levemente batidos
.6 colheres (sopa) de farinha de rosca feita em casa (torre e depois rale o pão)
.Óleo vegetal o quanto baste para fritar os peitos de frango
.Sal e pimenta-do-reino moída na hora a gosto
ACOMPANHAMENTO
.Batatas-palha
PREPARO
MANTEIGA DE ERVAS
1.Em uma tigela, misture muito bem a manteiga, as ervas e o suco de limão.
2.Forme rolinhos, embrulhe-os em filme plástico e coloque-os na geladeira.
FRANGO
3. Com uma faca bem afiada, abra cada peito de frango ao meio, sem separar os filés.
4.Coloque os peitos de frango sobre uma tábua, entre dois filmes plásticos e bata com um martelo de carne, deixando a pele virada para baixo.
5.Tempere com sal, pimenta e recheie os peitos com os rolinhos gelados de manteiga temperada.
6. Enrole bem firme e feche as pontas prendendo-as com a ajuda de palitos.
7. Disponha a farinha de trigo, os ovos levemente batidos e a farinha de rosca em recipientes separados e empane os peitos de frango, um a um, passando-os primeiro na farinha de trigo, depois nos ovos batidos e por último na farinha de rosca.
FINALIZAÇÃO
8. Em uma frigideira, frite os peitos de frango, dois por vez, no óleo previamente aquecido, virando-os com cuidado e deixando-os no fogo por cerca de 4 a 5 minutos de cada lado.
9. Finalize o cozimento colocando os peitos de frango sobre uma grade, em forno médio, preaquecido a 180°C, por uns 15 a 20 minutos, aproximadamente.
10. Sirva em seguida, com as batatas-palha.
IMAGENS
1.Frango à Kiev: receita cuja criação a cozinha russa disputa com a ucraniana
2.Cenas de Kiev, antes do bombardeio arrasador dos últimos dias (Wikipédia).
Eiji Tomimatsu, Auxi Paschoal e outras 156 pessoas
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