POR QUE OS CHEFS USAM TOQUE BLANCHE?


Homenagem ao dia do cozinheiro, que será comemorado no próximo dez de maio
O chapéu é uma peça do vestuário criada há muito tempo para proteger a cabeça das variações climáticas. Originalmente privilégio masculino, também passou a enfeitar a cabeça e distinguir nobres de plebeus, papas de patriarcas, rabinos de magistrados, mosqueteiros de toureiros. Pela mesma razão, os reis começaram a usar uma coroa de metal precioso e os caciques um cocar de penas coloridas. Mas foi na Grécia Antiga, por volta do ano 2.000 a. C., que ocorreu o aperfeiçoamento fundamental do chapéu.
Era o pétaso, dotado de abas largas, copa pouco elevada e feito de couro, lã ou palha. Usavam-no sobretudo no meio rural, tanto os agricultores como os pastores de gado. Com o tempo, a população em geral adotou o pétaso. Trácios, etruscos e romanos o assimilaram. A tradição persistiu na Europa durante a Idade Média. Com ele, o homem enfrentava melhor o sol escaldante, a chuva e o frio.
Na mesma Idade Média, porém, quando foram obrigadas pela Igreja Católica a esconder os cabelos em público, as mulheres protegeram a cabeça com um pano que caía sobre os ombros. Deixá-los soltos indicava sensualidade e disponibilidade ao pecado. Não por acaso, até a segunda metade do século passado as mulheres católicas entravam nas igrejas com um véu sobre os cabelos. Para comungar, ou seja, receber o sacramento da Eucaristia, era obrigatório e piedoso.
O “hijab” que as mulheres muçulmanas colocam diariamente em torno da cabeça também está relacionado à religião. Aliás, esse substantivo indica tanto o véu como a roupa feminina tradicionail do Islã. Os escritos religiosos muçulmanos não são totalmente claros sobre o “hijab”. Se bem que em diversas passagens do Alcorão, o livro sagrado muçulmano, assim como nos hádices (ahadith), comunicações orais de Maomé reportadas por uma cadeia de narradores, existem referências ao véu das esposas do profeta. Andar com o “hijab” na cabeça é uma forma de demonstrar submissão a Deus, à fé islâmica, além de indicar moralidade e modéstia.
Séculos depois dos gregos criarem o pétaso, apareceu o chapéu de cozinheiro. Veio com dupla finalidade: para evitar que os cabelos do profissional do fogão caíssem na comida e para protegê-los da gordura emanada na preparação dos alimentos. Hoje, estabelece a hierarquia na cozinha. A copa do chapéu vai subindo conforme a graduação do profissional.
Só o chef e o sous chef têm direito aos mais altos. Os franceses batizaram esse adereço de toque blanche (gorro branco), atualmente designação generalizada mundo afora. Na cozinha mais requintada, poucos referem-se a ele como chapéu. Quando surgiu? Uma versão divulgada por J. M. Bedell, escritora de sucesso nos Estads Unidos, que reside em Gaston, no Oregon, autora do livro “So, You Want to Be a Chef?” (“Então, Você Quer Ser um Chef?), à venda na amazon.com.br, localiza a estréia do toque blanche no reinado de Henrique VII, da Inglaterra, fundador da dinastia Tudor.
O soberano governou aquele país de 1485 até sua morte em 1509. Henrique VII teria encontrado um longo fio de cabelo surfando em sua sopa, enquanto a saboreava. Indignado com o desprazer, responsabilizou o chef da cozinha e mandou castigá-lo severamente. Desde então, os profissionais do fogão protegem os cabelos durante o trabalho, dizem alguns autores.
Entretanto, outros sustentam que o toque blanche veio do chapéu preto dos religiosos do Império Bizantino, extinto em 1453, quando a capital Constantinopla foi tomada pelos turcos. Ainda é ostentado pelos patriarcas da Igreja Ortodoxa. Para se distinguirem do clero, os cozinheiros só teriam mudado a cor. Nesse caso, a toque blanche dataria do século XIV ou XV.
Já a conceituada “Grande Eciclopedia Illustrata della Gastronomia” (Selezione dal Reader´s Digest, Milão, 2000) prefere endossar a explicação do chef francês Alfred Suzanne (1839-1916), que viveu quarenta anos na Inglaterra, preparando comida para a nobreza. Também escreveu livros importantes, entre os quais o clássico “La Cuisine et Pâtisserie Anglaise et Américaine”.
Conforme Suzanne, até o início do século XIX o toque blanche variava conforme o país. Os franceses e italianos preferiam uma variação da touca para dormir, dotada de um pompom meio ridículo; os espanhóis, um barrete de lã branca, que lembrava o dos toureiros; o chapéu dos alemães parecia um capacete militar; os ingleses usavam uma espécie de touca escocesa.
Na opinião de Suzanne, o primeiro chef a adotar o toque blanche foi seu conterrâneo Marie-Antoine Carême (1784-1833), considerado o maior chef de todos os tempos, que codificou a “high arte” ou “grande cuisine française”. Como ao mesmo tempo era um “opinion leader”, os colegas trataram de imitá-lo. Em 1823, quando trabalhava para o rei Jorge IV, da Inglaterra, Carême recebeu a visita do empregado de um juiz. Tinha na cabeça um chapéu em formato de cogumelo que, para diferenciá-lo do usado profissionalmente pelo patrão, era branco em vez de preto.
Carême percebeu que o adereço conferia ao dono elegância. Empenhado em melhorar a aparência dos cozinheiros, assimilou a novidade, denominando-o toque blanche e mantendo a cor do chapéu do jovem. Agradava-lhe o branco. Segundo Carême, simbolizava higiene, até porque sujava fácil e obrigava o cozinheiro a mantê-lo limpo. Muitos dos seus colegas só reclamaram do nome toque blanche. Julgavam mais lógico denominá-lo couvre (couvrir significa cobrir, envolver, vestir) blanche. Mas não alcançaram sucesso.
No final do século XIX, segundo a “Grande Enciclopedia Illustrata della Gastronomia”, o modo de usar o toque blanche refletia a personalidade do cozinheiro. O chef que o usava ligeiramente inflado e caído para trás da cabeça, era considerado autoritário. Se o exibia inclinado sobre uma orelha, passava por presunçoso. Quando o achatava no alto, era tido como negligente ou, então, “filósofo” ou “poeta” do forno e fogão.
Alguém já brincou que, para Carême, o tamanho do toque blanche era documento. Para indicar ser o número 1 da cozinha francesa e ocidental, o que usava lembrava a verticalidade da Torre Eiffel, símbolo de Paris. O toque blanche de Carême tinha 45 centímetros de copa, portanto quase meio metro. Como era homem baixo, conseguia de quebra, com esse estratagema, aumentar a própria estatura.
O também chef francês Paulo Bocuse (1926-2018), um dos fundadores na década de 1960 da “nouvelle cuisine”, caracterizada pela leveza, delicadeza dos pratos e a ênfase na apresentação, também gostava do toque blanche com grande extensão vertical. Mesmo sendo um homem alto e corpulento, pois media 1,77 metro de altura e pesava 82 quilos. Além disso, mandava fazê-lo com a copa plissada.
Explicava que aquelas pregas não eram por acaso. Tornavam o adereço mais bonito e simbolizavam as mais de cem maneiras com as quais um chef pode cozinhar um ovo. “Ele usa o toque blanche elevado até quando faz em casa ovos beneditinos”, caçoou o chef francês Joël Robuchon. Referia-se a um sanduíche clássico inventado em torno de 1890 no Delmonico's, de Nova York, primeiro grande restaurante dos Estados Unidos, com uma cozinha de influência francesa. Consta que Bocuse não achou a menor graça na frase de Robuchon. Curiosamente, muitos chefs atuais já abandonaram o toque blanche. Alguns optaram pela informalidade do boné ou do gorro. Seria modernidade ou volta ao passado?
OVOS BENEDITINOS
Rende 4 porções
INGREDIENTES
.4 fatias de brioche ou pão de fôrma (cortadas com um aro)
.4 fatias de presunto cozido
.4 fatias de queijo gruyère
.10 ml de vinagre
.4 ovos
.4 gemas de ovos
.15 ml de licor Amaretto
.10 ml de vinho branco
.Sal e pimenta-do-reino moída na hora a gosto
DECORAÇÃO
.Tomates-cereja
PREPARO
1. Toste as fatias de brioche e reserve.
2. Em uma salamandra, aqueça o queijo com o presunto e disponha sobre os brioches.
3. Em uma panela, leve ao fogo 1,5 litro de água. Quando ferver, coloque o vinagre.
4. Diminua o fogo e abra os ovos, um por vez, colocando-os cuidadosamente na água. Ferva por três minutos, até a clara ficar cozida e a gema ainda mole.
5. Retire com uma escumadeira, coloque por cima o queijo com o presunto e polvilhe com sal e pimenta-do-reino.
6. Com um batedor de arame, bata as gemas em banho-maria com o licor, o vinho, o sal e a pimenta-do-reino, até obter uma espuma.
7. Despeje esse molho sobre os ovos, decore o prato com os tomates-cereja e sirva imediatamente.
Receita preparada pelo chef José Barattino, de São Paulo-SP.
IMAGEM
O chef do Hotel Chatham, Paris, tela de 1921, pintada por William Orpen (Domínio Público).
Pode ser uma imagem de 1 pessoa, barba e área interna
Eiji Tomimatsu, Carlos Toscano e outras 200 pessoas
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