QUAL FOI O PRIMEIRO O DOCE?

 QUAL FOI O PRIMEIRO O DOCE?

É impossível saber qual o doce mais antigo do mundo, mas há candidatos ao título. Os turcos dizem que foi o seu asure, um pudim ou “sopa grossa” à base de grão-de-bico, arroz, figos e damascos secos, zestes de laranja, uvas-passas, mel, avelãs, pistaches, snoobar, baunilha e água de rosas. Os persas, hoje chamados de iranianos, sustentam ter sido o seu arroz-doce, basicamente o mesmo que os brasileiros o saborearam à vontade nas recentes festas juninas. Mas não constitui uma paternidade incontestável.
Os indianos cogitam que o arroz-doce pode ser seu, pois foram os primeiros a cultivar o arroz, planta da espécie Oryza sativa, por volta do ano 3.000 a.C., nas províncias de Bengala, Assam e Mianmar. Dali o prodigioso grão foi para a China, Índia, Egito e, mais tarde, chegou à Europa, África, Américas e Austrália. A China influenciou seu cultivo na Coréia e Japão. Planta da família das gramíneas, agora alimenta mais da metade da população mundial. Terceira maior cultura cerealífera do mundo, só perde em extensão para o milho e o trigo.
Há também autores que creditam aos habitantes do sul da península itálica a invenção do doce. Referem-se ao cannolo (singular de cannoli) siciliano. Baseiam-se em uma descrição feita no ano 70 c. C. por Marco Túlio Cícero. O célebre filósofo, orador, escritor, advogado, questor (magistrado) e político romano saboreou cannoli na Sicília e os descreveu como “tubus farinarius, dulcissimo, edulio ex lacte factus”, ou seja, “deliciosos tubinhos de massa de farinha, muito doces, recheados com leite”. Obviamente, as três receitas eram adoçadas com mel, pois o mundo ainda não dispunha, pelo menos com a necessária fartura, do açúcar de cana, aliás originário da Índia.
Mesmo que o asure não seja o doce número um, envolve-se em história instigante. Os turcos, fiéis aos ensinamentos do Alcorão ou Corão, livro sagrado do islamismo, a religião fundada pelo profeta Maomé, apresentam uma versão especial. Afirmam que Noé e familiares, ao saírem da Arca com a qual enfrentaram o Dilúvio Universal, improvisaram o doce para comemorar o fim da inundação. Afinal, sobreviveram a uma chuva avassaladora que durou 40 dias e 40 noites e inundou a terra por 150 dias. Noé e familiares prepararam o asure com os poucos suprimentos que dispunham, assinalam os turcos.
Seu doce tem óbvia conotação religiosa. O consumo simboliza partilha, solidariedade, fraternidade e amor. Alcança o ápice no décimo dia do Muharrem, primeiro mês do calendário islâmico ou hegírico, baseado no ano lunar, que tem 12 meses de 29 ou 30 dias. É período sagrado. Aquele décimo dia é considerado o Dia do Asure. Os sunitas (ao qual pertencem os turcos e 80% do total dos adeptos do islamismo) festejam na data a passagem vitoriosa do profeta Moisés pelo Mar Vermelho, fugindo do faraó. Atualmente, porém, o doce é preparado o ano inteiro.
Muitas receitas do asure ordenam que os ingredientes sejam dez (em alusão ao décimo dia do Muharrem). Mas não existe uma fórmula padronizada. Ricos e pobres o fazem de variadas maneiras, sempre em grande quantidade. Distribuem-no entre parentes e conhecidos, independentemente da religião professada por eles. Os islamitas dizem que o dinheiro gasto na preparação do asure “sempre foi uma boa ação”.
Povos vizinhos da Turquia o elaboram sob diferentes nomes. Mas o grande país euroasiático não abre mão da sua propriedade. Convém levar a Turquia a sério. Em 2006, ela entrou em “guerra” com os gregos de Chipre pela autoria do baklava – doce de massa folhada, igualmente veteraníssimo, recheado com nozes, pistache, amêndoa ou snoobar, temperado com mel ou calda de açúcar, água de rosas, flor de laranjeira ou xarope à base de suco de limão, eventualmente cravo, canela ou cardamomo.
Desfrutou de prestígio em todo o Império Otomano, que tinha como capital Constantinopla, hoje Istambul, a maior cidade da Turquia. Foi o doce predileto dos sultões. Pode ser encontrado no Brasil em restaurantes de cozinha árabe. Entretanto, o asure, também conhecido por pudim de Noé, leva uma vantagem sobre todos os concorrentes: nenhum doce da Antiguidade o suplanta em significados.
ASURE
(Pudim de Noé)
Rende 10 porções
INGREDIENTES
.1/2 xícara (chá) de grão-de-bico
.1 xícara (chá) de trigo em grão
.1 xícara (chá) de arroz branco
.1/3 de xícara (chá) de figos secos
.1/3 de xícara (chá) de damascos secos
.1/3 de xícara (chá) de zestes de laranja
.1/3 de xícara (chá) de uvas passas brancas sem sementes
.1 1/2 xícara (chá) de mel (hoje muitos usam açúcar)
.1/2 xícara (chá) de avelãs tostadas e picadas
.1/2 xícara (chá) de pistaches
.1/2 xícara (chá) de snoobar (pinoli)
.1 vagem de baunilha
.2 colheres (sopa) de água de rosas
DECORAÇÃO
.Canela em pó
.Amêndoas sem pele em lascas
.Sementes de romã
PREPARO
1.Cubra os grãos-de-bico com água gelada, deixando-os de molho de um dia para o outro. 2.Lave o trigo, o arroz e coloque-os de molho em água, usando tigelas separadas.
3.Deixe de molho na água quente, por 30 minutos, os figos, os damascos e as cascas de laranja. Coe a água e reserve-a.
4.Pique as frutas secas e os zestes de laranja. Misture esses ingredientes às passas e reserve. 5.Cozinhe os grãos-de-bico com a água, até ficarem tenros.
6.Em uma panela grande, junte o arroz, o trigo integral, quatro xícaras (chá) de água e cozinhe em fogo baixo, mexendo constantemente até que os grãos fiquem macios.
7.Acrescente a água em que as frutas ficaram de molho, o açúcar, as avelãs picadas, os pistaches, o snoobar e continue cozinhando e mexendo frequentemente, por uns 20 minutos.
8.Deixe que a mistura engrosse um pouco, até obter uma sopa espessa. Acrescente a baunilha, as passas, os figos, os damascos, as cascas de laranja e os grãos-de-bico cozidos. Mexa constantemente por mais uns 20 minutos, em fogo brando, desligue e acrescente a água de rosas.
9.Deixe o asure repousar em temperatura ambiente até esfriar.
10.Sirva em tigelas, decorado com canela em pó, lascas de amêndoas e sementes de romã.
IMAGENS
1) Asure, doce milenar (Fundação Cultural Turca)
2) Arca de Noé (Wikipédia)

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